Pesquisadora de moda da UFMG critica uniformes

Os uniformes que os atletas do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) irão usar nas Olimpíadas de Paris estão causando polêmica nas redes sociais. Em resposta à repercussão negativa, o presidente do COB, Paulo Wanderley, disse que os jogos olímpicos “não são a Paris Fashion Week”. Angélica Adverse, professora e pesquisadora do curso de design de moda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), discutiu o assunto com o BHAZ e dispara: “Duvido muito que o diretor do comitê iria numa cerimônia de Havaianas”.

A rede de lojas de departamento Riachuelo é a responsável por desenhar e promover a confecção das peças, que incluem jaqueta jeans, conjunto de moletom, short, blusa listrada amarela e saia. Em abril deste ano, a empresa começou a publicar nas redes sociais imagens dos itens feitos de algodão sustentável, que teriam o objetivo de representar “a identidade brasileira”.

Desde as primeiras postagens dos uniformes, a rede de lojas tem recebido diversas críticas de pessoas insatisfeitas com o design das peças. “Os bordados estão bem bonitos, mas a roupas estão a cara de uma costura barata. A Riachuelo poderia aproveitar esse momento para ter contratado um bom estilista e feito um trabalho impecável”, criticou uma internauta.

Jaqueta jeans do Time Brasil para os jogos olímpicos (Reprodução/@riachuelo/Instagram)

Look para a cerimônia de abertura não agrada

Com a aproximação dos Jogos Olímpicos de Paris, que começam nesta sexta–feira (26), as peças têm sido cada vez mais alvo de críticas. O que mais chamou a atenção dos internautas foi o look escolhido para a cerimônia de abertura, que consiste em camiseta, saia ou calça, jaqueta jeans bordada e chinelo Havaianas.

A professora e pesquisadora Angélica Adverse diz que os uniformes geraram polêmica por uma série de motivos. A raiz do problema, segundo ela, seria a dificuldade existente no Brasil em compreender a importância da moda de forma mais profunda.

“Como a gente é carente nesse aspecto, temos dificuldade de compreender a moda enquanto cultura, e essas camadas de incompreensões vão levando a observarmos a moda só como um fenômeno ora ligado à sazonalidade, a mudanças efêmeras, a tendências, ou, por outro lado, a uma linguagem muito elitista”, explica a professora.

Looks que serão usados pelos atletas brasileiros na cerimônia de abertura (COB/Alexandre Loureiro)

COB se pronuncia sobre uniformes

Nesta quarta-feira (24), o COB (Comitê Olímpico do Brasil) rebateu às críticas, dizendo que o as Olimpíadas não são “a Paris Fashion Week”. “Nosso foco está nisso. A gente sempre tem comentários excelentes, basta ver os vídeos dos próprios atletas nas redes sociais”, disse Paulo Wanderley, presidente do comitê.

O diretor de marketing do COB, Gustavo Herbetta afirmou que o debate é subjetivo. “A gente, obviamente, participou de todo o processo de escolha desse uniforme”. De acordo com Gustavo, o uniforme tem elementos de brasilidade e foi feito por bordadeiras do Nordeste.

“A gente aprovou com muito orgulho. Se precisasse, a gente aprovaria esse uniforme de novo”, acrescentou o diretor. “O que que é arte? Arte é aquilo que você considera arte. E beleza está nos olhos de quem vê. Pronto, é isso. Essa é a mensagem que eu tenho a dar”, finalizou o presidente do comitê.

‘Qual imagem eles vão traduzir?’

Para Angélica, não compreender a moda como cultura leva ao não reconhecimento da importância dela no momento de enviar atletas para representar o Brasil em Paris.

“Qual a linguagem que eles vão traduzir? Me parece que isso não foi pensado”, declarou a pesquisadora. Um outro ponto levantado pela educadora foi a falta de democracia na representação do país nos uniformes. De acordo com a Riachuelo, o algodão sustentável das roupas e os bordados feitos à mão reforçam a identidade brasileira.

Conforme a professora de Design de Moda, faltou um projeto para os uniformes que envolvesse contexto, conceito e inovação. “Aquela estrutura de uma jaqueta jeans não é brasileira, é uma peça criada pela moda americana. Então a grande questão é essa, não adianta você fazer um trabalho primoroso de artesanato em cima de uma peça que não possui inovação”.

“E quando eu falo da democracia que faltou na escolha, faltou também na relação de quem criou o uniforme com as usuárias e os usuários. Se você pesquisar o uniforme da delegação francesa, foi feito inteiramente sob medida, conversando com cada atleta. As mulheres pediram para não ter mangas”, diz Angélica.

Uniforme da Mongólia é eleito como mais bonito

Um dos pontos discutidos nas redes sociais foi a comparação dos trajes que serão utilizados pelo Brasil na cerimônia de abertura com os de outras delegações. As roupas da Mongólia foram consideradas as mais bonitas pelos internautas, criadas pela marca Michel&Amazonka.

Look do comitê olímpico da Mongólia para a cerimônia de abertura (Reprodução/@michelamazonka/Instagram)

Segundo a professora, alguns países fizeram um pleito para escolher os melhores projetos de vestuário para as delegações olímpicas. “Acho que não houve um projeto para se pensar qual seria a imagem ideal para representar a nossa cultura em uma cerimônia, porque a roupa escolhida tem um tom muito mais utilitário, são peças com uma característica de fast fashion”.

“Talvez essa seja a maior crítica, porque são peças que não revelam uma identidade. Acho que é o que a população está reivindicando e que faltou no processo de criação”, acrescenta. “Quando você desenvolve um projeto de uma coleção, você desenvolve parâmetros. Ela é desenvolvida pensando em ocasiões de uso”.

“Eu fico preocupada até com uma questão da saúde mental dos atletas. Poxa vida, está todo mundo comentando, eles já vão chegar na abertura com baixa autoestima porque o país inteiro está olhando para eles e falando, ‘que roupa horrível’”, opina a professora da UFMG.

Anitta critica uniforme do Brasil

Angélica levanta o ponto da falta de apoio dos atletas para se manterem no esporte. O mesmo foi apontado por Anitta, que comentou nas redes sociais sobre os uniformes. “Acho que o look representa exatamente como o atleta é tratado no país. Sem estrutura, sem oportunidades, desvalorizado”, disse a cantora.

“O atleta no Brasil é um grande vencedor só por resistir na decisão de ser atleta. Por que é triste a desvalorização e falta de investimento nos talentos do esporte nacional. Acho que o look veio pra reafirmar exatamente isso, como que o atleta precisar ser guerreiro e passar por poucas e boas pra seguir seu sonho”, completou a artista.

Atleta reclama de falta de uniformes

Além da crise estética, os atletas brasileiros estão enfrentando um problema relacionado a quantidade de roupas oferecidas para eles. Fernando Ferreira, atleta que vai disputar o decatlo nas olimpíadas, reclamou em sua rede social por ter recebido poucos uniformes para realizar as provas.

“Vocês não tem ideia do quanto foi broxante receber o material da seleção. Sempre achei que nas olimpíadas receberíamos uma mala de materiais, com tênis, roupas e sapatilhas, mas parece que não é bem assim pra nós”, disse Fernando no X ao mostrar uma mochila enviada pela Puma com os uniformes disponíveis para o atleta.

“Irei passar mais de 20 horas na pista de atletismo, dois dias de competição dividido em 4 etapas, e recebi como material, 1 regata, 1 macaquito, um short balãozinho. Assim que acabar as provas do primeiro dia, irei voltar pra vila e lavar logo meu material, ou competir com sujo”, disse o atleta.

A professora acrescenta ao debate: “A gente está lidando com atletas que já não têm apoio para se manterem no esporte, o quanto é difícil praticar esporte nesse país. Eles chegam às Olimpíadas já vendo a diferença”.

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