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Fernando Silva: Michelle lá, Michelle cá e o caos eleitoral americano

O exagerado encanto do brasileiro com o estrangeiro fez o dramaturgo Nelson Rodrigues cunhar o “complexo de vira-lata”. A expressão define muito bem a ridícula subserviência nativa diante de gringos. Uma situação específica demonstra aparente superação desse trauma freudiano. A próxima eleição norte-americana é a grande responsável por esta transformação tupiniquim.

O processo eleitoral da terra de Tio Sam praticamente começou com o debate entre Joe Biden e Donald Trump, em Atlanta, no dia 27 do mês passado. E foi uma noite trágica. A repercussão da refrega continua com muita intensidade. O motivo da polêmica é o apocalíptico desempenho de Joe Biden no bate-boca. As suas intervenções foram surreais (ou bipolares). Em algumas oportunidades, o mandatário se mostrou mentalmente trôpego, aéreo e vacilante. Em outros instantes, ácido, irônico e até agressivo. E, some-se a tudo isso, a voz rouca e fugidia.

Joe anda muito estranho ultimamente. Na Cúpula do G7, na Itália, o político exibiu alguns comportamentos fora dos padrões da liturgia do cargo. Em certo momento, encostou continuamente a cabeça no rosto do Papa Francisco. O bispo de Roma se encontrava numa cadeira de rodas e o americano se inclinou para cumprimentá-lo. Foi uma atitude patética e constrangedora. Em outra solenidade, enquanto governantes cantavam e batiam palmas, Joe mirava dispersivamente o horizonte. Visitava o universo paralelo. Em determinada ocasião, se distanciou demasiadamente dos seus pares, durante exibição de um grupo de paraquedistas. Foi resgatado por Giorgia Meloni. A premiê italiana sutilmente pegou o sujeito mais poderoso do mundo pelo braço e o reconduziu de volta ao lugar comum.

O “principal astro” do Hemisfério Norte parece fora de si. Esses procedimentos difusos e a desastrada participação no debate da CNN aumentaram a pressão pelo seu alijamento da disputa eleitoral. Alguns financiadores sinalizaram que não investirão na campanha. Dezenove deputados democratas já exigiram publicamente a permuta do cabeça de chapa. Na terça-feira (9), The New York Times divulgou um duro editorial contra a candidatura Biden. O órgão de imprensa foi incisivo e destacou que “o presidente está passando vergonha”. Para o tradicional jornal, Joe Biden e Donald Trump são inaptos. Conclusão. O Estados Unidos vivem o pior dos cenários. “Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”.

Mas, a quatro meses do principal pleito do planeta, quem poderia substituir Joe Biden? O primeiro nome que vem à mente é Kamala Harris, atual vice-presidente. Mas tem um problema. Ela foi muito discreta no exercício da função. E pior. Madame é dona de considerável rejeição. Há apenas uma personagem capaz de derrotar Donald Trump: a ex-primeira-dama Michelle Obama. Os números — que não mentem jamais — garantem essa percepção. Pesquisa Reuters, divulgada no dia 2 deste mês, revelou resultados atraentes para os defensores da tese: Michelle 50%, Donald 39%. A senhora Obama tiraria essa de barbada. Mas tem uma pedra no meio desse tortuoso caminho. Ela não aceita pegar o boi (leia-se aí Trump) pelos chifres. E até já explicitou sua decisão. Contudo, resta uma esperança: o potencial de convencimento do “maridão”. Barack teria poder para tanto? Eis a dúvida. A mulher é dona de forte personalidade.

Voltando ao início da delonga. A teoria de Michellização do sistema é marca registrada brasileira. Na impossibilidade de Jair Bolsonaro (PL) concorrer em 2026 — e ele está inelegível — muito se fala sobre a sua substituição por Michelle Bolsonaro, a antiga administradora do Palácio da Alvorada. Então, a ideia original de se colocar uma Michelle na fita é tupiniquim. E aí, adeus complexo de vira-lata. Então, ficamos assim: Michelle lá, Michelle cá. Será que cola?

P.S.1: Os tiros na direção da orelha de Donald Trump conseguiram intensificar o caos eleitoral deste ano. Estava tudo muito ruim e piorou ainda mais. Nada surpreendente. A política da “maior democracia” do mundo sempre foi regada a sangue. Quatro ex-presidentes americanos foram assassinados no decorrer do mandato: Abraham Lincoln, James Garfield, William Mckinley e John Kennedy. Ronald Reagan levou tiro num pulmão e conseguiu sobreviver. O senador Robert Kennedy foi morto durante as primárias. Mas, qual o motivo de tanta violência? A polarização. Vou repetir lentamente aos gritos: PO- LA-RI-ZA-ÇÃO.

P.S.2: O canalha que atingiu Trump parece não ser um profissional. Sorte do ex-presidente. Os assassinos americanos não costumam errar o alvo.

P.S.3: Cometi um equívoco involuntário. A eleição mais importante do planeta não é dos Estados Unidos, mas de Itabira. Lembra-se do rio que passava pela aldeia de Fernando Pessoa? Pois, é.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.



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